Crónica de D. João I

18-03-2024

Crónicas de D. João I

Esta crónica foi escrita em 1443, pelo cronista Fernão Lopes, a pedido do Rei D. Duarte.
A obra foi publicada a primeira vez a 1897.

A crónica é composta por 2 partes:

Na primeira parte, é nos descrito o que ocorreu entre a morte de D. Fernando e a subida ao trono de D. João I (Mestre de Avis)

Já na segunda parte, Fernão Lopes( o narrador e compositor da crónica) descreve os acontecimentos ocorridos durante o reinado de D. João I

Capítulo 11

Mestre de Avis, juntamente com Álvaro Pais e seu pajem, conspiram contra a Rainha Leonor Teles e seu amante castelhano Conde Andeiro para conseguirem devolver ao trono português a independência do poder castelhano.


 1. O pajem e Álvaro de Pais cavalgam pelas ruas de Lisboa bradando ao povo (que tanto adorava Mestre de Avis) que o Conde Andeiro estava prestes a matar o Mestre nos paços da rainha. 

2. A população pega em armas, algumas até improvisadas, na esperança de salvar o Mestre. Ao chegar aos paços, a multidão encontra as portas do paço fechadas, fazendo com que os ânimos de quem ali estava se descontrolassem numa tentativa de verificarem se o Mestre estava vivo. 

3. Ao ver que a população estava deveras inquieta, Mestre de Avis aparece à janela dos paços confirmando a sua sobrevivência e anunciando que o Conde está morto e, portanto, nada há a temer. 

4. Após o tumulto, o Mestre deixa os paços e contacta com a população que se mostra aliviada e alegre novamente.

Capítulo 115

É feita uma primeira descrição das defesas que Lisboa prepara devido ao ataque que é comandado pelo "elRei de Castella" e que está cada vez mais próxima da cidade. Para isso, o Mestre lidera e delega tarefas, tais como: recolher mantimentos, erguer muros e fortificações, levantar vigias, … Fernão Lopes realça o espírito patriótico do povo que age como se de um só se tratassem. 


1. Mestre e seus aliados recolhem alimentos (gado) às terras envolventes na com objetivo de aguentar um possível longo cerco à cidade. A população, inicialmente, divide-se entre aqueles que decidem fugir para Setúbal, aqueles que irão aguentar a cidade e uma minoria que permanece nas vilas apoiando Castela. 

2. Já dentro das muralhas, preparam-se defesas ao nível dos: muros, torres, armamento e homens de armas, entradas da cidade, zonas ribeiras, etc. Nesta preparação são referidos não só fidalgos, a quem foram delegadas algumas tarefas maiores, como também mulheres que ajudam, sem medo, a preparar os terrenos. 

3. Existe uma comparação, por parte do cronista, entre os portugueses que defendem tão bem a sua cidade e os filhos de Israel (que o mesmo fizeram) e ainda é destacado a superioridade de rei de Castela em termos de quantidade de homens, mas apenas para que realçar a postura valente da cidade Lisboeta perante um inimigo tão feroz.

Capítulo 148

Este capítulo é uma homenagem a toda a população pelo sofrimento e miséria que viveu durante o cerco. Desde homens e mulheres que são expulsos do interior do cerco por não lutar, ou por não contribuir para a defesa, a mortes lentas devido à fome e à situação precário que de um modo geral a "gente" viveu. 


1. Já a meio do longo cerco, os mantimentos faltam devido à elevada população que permanecia dentro das muralhas. A população vê-se com necessidade de procurar alimento fora das muralhas, correndo grande perigo. O Mestre é ainda obrigado a colocar determinados grupos socioeconómicos (miseráveis, prostitutas, quem não combate, judeus…) fora do cerco. 

2. Existe quem ainda procure migalhas e sementes no chão imundo para sobreviver, já que o preço dos alimentos básicos é muito elevado. A fome afeta crianças que correm pela cidade procurando esmola e mesmo mães que incapazes de amamentar os filhos vêmnos morrer.

 3. Um rumor assombra a cidade: o Mestre iria expulsar todos aqueles que não têm o que comer; no entanto é desmentido mais tarde. O capítulo acaba com um forte e emocionante apelo à "geeraçom que depois veo", ou seja, aqueles que leem a crónica, dizendo que são afortunados aqueles que não tiveram de enfrentar tais sofrimentos. 

Crise Dinástica de 1383-1385

A crise dinástica foi consequência de vários acontecimentos na corte portuguesa, tendo como principal protagonista D. Fernando. Este monarca deixou apenas uma filha (D. Beatriz), com D. Leonor Teles, como sucessora do trono português, ou seja, não deixou filho varão que pudesse um dia herdar o trono e dar continuidade à Dinastia Afonsina. 


D. Fernando, após ter-se envolvido em diversas batalhas com Castela que resultaram em sucessivas derrotas, acabou por ser obrigado a assinar o Tratado de Salvaterra de Magos com Castela, tratado este que obrigou D. Beatriz a casar com D. João I de Castela a fim de ceder o governo de Portugal a Castela e pior que isso a perda da independência.

Personagens Individuais e coletivas  

Nas Crónicas de D. João I faz é de extrema importância salientar, não só personagens individuais, como também a personagem coletiva, ou seja, o Povo. Esta necessidade deve-se ao facto de o povo ser a força motriz para todo o enredo da mudança de dinastia e vitória sobre Castela, a nível militar e político. Feita esta chamada de atenção, podemos então aprofundar alguns detalhes sobre as personagens que mais impacto tiveram na Crise Dinástica e ainda na Batalha de Aljubarrota: 


✓ Mestre de Avis – demonstra-se um homem multifacetado, por um lado é bravo e inteligente, devido ao esquema e destreza com que executou o plano de matar o Conde Andeiro, por outro lado, é também um homem receoso e solidário que se identifica com o mais comum homem do povo. É um verdadeiro líder. 

✓ Álvaro Pais – Membro da burguesia que atua como aliado do Mestre e que é fundamental no plano de influenciar a alma do povo a vir socorrer o Mestre quando este estava em suposto perigo. 

✓ D. Leonor Teles – Mulher que representa o falso governo português, pois embora fosse rainha e legítima herdeira do trono, estava envolvida com a corte espanhola e na tentativa de extinguir a liberdade lusa. Era apoiada pela alta nobreza e clero e repudiada pelo povo que a apelidava de "aleivosa"2 . 

✓ Povo – Personagem considerada principal e que, tal como expresso antes, constitui a força geradora de revolução. Pode ser apelidado também de herói coletivo, na medida em que representa todos aqueles que queriam preservar a independência de Portugal.

De facto, a Crónica de D. João I consiste no primeiro documento (daí ter sido revolucionário e tão importante nos dias de hoje) que representa a afirmação e consciência coletiva do povo enquanto cidadãos portugueses que protegem a todo o custo a sua nação, daí referimo-nos também a Fernão Lopes como o primeiro historiador português

Linguagem e Estilo Lírico 

Fernão Lopes foi um enorme revolucionário e o grande pai da crónica na literatura portuguesa, desde a forma como interpretou documentos muito anteriores a si para os integrar nas suas crónicas, até à forma como os expressava com um estilo bastante próximo do leitor, torna-se evidente que poderá ter sido mesmo o primeiro historiador português. Das suas crónicas, podemos destacar e esmiuçar certos pontos: 


✓ Visualismo – Descrição viva e próxima da imaginação onde são incluídas sensações (visão, audição, olfato) ou até mesmo o ritmo e os ânimos presentes através de recursos expressivos (comparação, enumeração, adjetivação e personificação) e também da descrição pormenorizada dos locais ou das ações. 

✓ Dinamismo – Colocação do leitor no desenrolar das ações, ou seja, existe a ilusão de que nos encontramos no desenrolar do enredo. Este envolvimento é feito por: sequencialização gradativa3 das ações; uso de verbos de ação (verbos que imprimem ritmo e força ao discurso); e existe predomínio da caraterização indireta das personagens, pelo seu comportamento. 

✓ Coloquialismo – como forma de aproximar o leitor, mais uma vez, à ação narrada, Fernão Lopes utiliza: 1ª/2ª pessoa; linguagem oralizante e expressões populares; utilização alternada e diversa de diferentes registos discursivos (descrição, narração, diálogo); algum discurso direto conferindo intensidade dramática à ação.

Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora